Obs: A palavra Espiritualidade não deve ser confundida com Espiritismo, usamos essa palavra no sentido de que a espiritualidade "traduz uma dimensão do homem, enquanto é visto como ser naturalmente religioso, que constitui, de modo temático ou implícito, a sua mais profunda essência e aspiração".

Fonte: Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Espiritualidade

sábado, 1 de dezembro de 2012

Médico e teólogo, autor relaciona espiritualidade e saúde física



Harold G. Koenig, médico e teólogo, entra no debate sobre os limites e confluências de ciência e espiritualidade. Em "Medicina, Religião e Saúde", usa pesquisas recentes para apresentar a importância das emoções sobre o sistema imunológico, a longevidade e outras influências na saúde física e mental. 

Sobre a diferença de termos --espiritualidade e religião--, escreve o autor que "essa nova versão de espiritualidade evoluiu para incluir aspectos da vida que não têm nada a ver com religião, além de, muitas vezes, excluir a religião por completo, como na afirmativa 'sou espiritual, não religioso'. Isso pode tornar a espiritualidade indistinguível de conceitos seculares." 

Koenig expõe fundamentos e respostas para as polêmicas criadas pelo embate entre fé e razão. 

"A espiritualidade pode ser usada proveitosamente de duas maneiras distintas: mais restrita na pesquisa e mais ampla no atendimento ao paciente", afirma no livro. 

A edição é voltada para o público leigo, mas inclui estudos recentes e alguns relatos de casos e trata de mostrar quais são as tendências dessa área. 

Diretor do Centro para Teologia, Espiritualidade e Saúde, professor de psiquiatria e ciências do comportamento da Universidade de Duke, nos EUA, e graduado em medicina na Universidade da Califórnia, Koenig assina mais de 40 títulos sobre o tema. 

Abaixo, leia a introdução de "Medicina, Religião e Saúde: O Encontro da Ciência e da Espiritualidade"



Introdução        
   
A SENHORA HARRIS MORREU ontem aos 101 anos de idade. Ela estava vivendo em uma casa de repouso, mas a família disse que ela permaneceu alerta até o fim. Em seus últimos dias, como fizera durante toda a vida, tentou consolar e incentivar parentes e amigos - mesmo estando doente. Ela destacava as boas qualidades deles. Expressava que alegria era ver alguém e que futuro especial aguardava cada um deles. A família disse que ela estava cantando um cântico religioso quando sua voz ficou mais fraca, a respiração mais lenta até, finalmente, parar. A senhora Harris deixou um leve sorriso no rosto, um sorriso ao qual a família tinha se acostumado sempre que ela estava muito feliz. 

Quando a senhora Harris fez cem anos, perguntaram a ela qual era o segredo de uma vida tão longa. Sem pestanejar, respondeu que era sua fé, sua família e o fato de não beber nem fumar, nessa ordem. E a ordem era importante, ela enfatizava. 

Muitos médicos, assim como eu, já conheceram uma "senhora Harris" e, embora possamos imaginar encontrá-la em qualquer estado ou cidade, em um hospital ou casa de repouso, ela representa um benchmark de saúde da vida real, tanto física quanto mental. Seu tipo de história, ao qual as pessoas ligam crenças e comportamentos à saúde, é o tópico central deste livro. A senhora Harris é baseada em minhas duas décadas e meia de experiência com pacientes e com participantes de pesquisas, e usarei a "história" dela ao longo do livro para demonstrar os tipos de encontros que tive. As respostas da senhora Harris ilustram as próprias experiências da vida real que muitíssimas pessoas relatam - experiências que são, muitas vezes, ignoradas pelos profissionais da saúde. 

As páginas seguintes abordam um terreno amplo, e nem todo ele é plano e nivelado. Nossas informações sobre os efeitos da religião e da espiritualidade sobre a saúde física e mental ainda são incompletas. A discussão desse tópico também é nova na medicina moderna. Por consequência, há muitas opiniões sobre o que realmente sabemos nesse campo, o que deve ser feito sobre isso e como fazê-lo. Indicarei onde há controvérsia sobre determinada descoberta ou aplicação, mas também argumentarei a favor de uma conexão entre religião e saúde quando a predominância das evidências, junto com o bom-senso e o raciocínio lógico, sustentar tal ligação. Este livro, portanto, não será escasso em polêmicas, e espero que o leitor fique intrigado. 

Organizei o material em quatro etapas, sendo que uma se desenvolve sobre a outra. Comecei definindo os termos religião e espiritualidade, demonstrando como a pesquisa sobre o relacionamento com saúde e medicina cresceu drasticamente e se tornará essencial a uma possível crise futura da saúde pública. A seguir, apresento o argumento de que religião e espiritualidade podem, de fato, afetar a saúde de uma forma detectável pela ciência. Em outras palavras, é possível demonstrar que os aspectos psicológicos, sociais e religiosos da vida humana podem afetar o corpo físico. 

Após ter apresentado o argumento de que tais caminhos são plausíveis, investigarei mais a fundo seis áreas específicas da saúde humana que possivelmente são afetadas pelo envolvimento religioso. Essas são as áreas em que alguém como a senhora Harris era bastante afortunado, graças a uma boa perspectiva da vida, hábitos saudáveis e um corpo forte. As seis áreas são: saúde mental, funções imunológicas e endócrinas, função cardiovascular, estresse e doenças relacionadas a comportamento, mortalidade e deficiência física. Depois de esclarecer como a religião pode afetar a saúde e explorar as evidências científicas que dão suporte a tais alegações, examinarei a aplicação desse conhecimento ao tratamento de pacientes em contextos clínicos. Este livro é finalizado com um apêndice que lista recursos para o estudo posterior de religião, espiritualidade e saúde. 

Cada um dos capítulos que se seguem analisará pesquisas passadas e atuais, mas também conterá uma questão central que desejo argumentar ou, ao menos, deixar aberta para discussão. No Capítulo 1, por exemplo, mostrarei que há opiniões extremamente divergentes sobre a definição dos termos religião e espiritualidade. O termo espiritualidade é amplo e permite que as pessoas deem suas próprias definições. Essa abrangência é útil em ambientes clínicos em que os médicos querem ser sensíveis à ampla variedade de crenças das pessoas. Porém, no âmbito da pesquisa, esses termos devem ser definidos com maior precisão para o estudo objetivo de seu impacto na saúde, e tal exatidão é o que sempre defenderei. Do contrário, normalmente usarei religião e espiritualidade de forma intercambiável, referindo-me ao mesmo aspecto da experiência humana. 

No Capítulo 2, apresento a hipótese de que essa área de pesquisa em rápido crescimento será mais importante no futuro, à medida que mais limitações são impostas sobre a assistência médica, sobretudo fatores demográficos e financeiros. As populações em envelhecimento nos países desenvolvidos e os custos galopantes de cuidados à saúde em todo o mundo são as duas forças que motivam esse aumento de tensão. Também prevejo uma maior função de comunidades de fé em oferecer serviços de saúde, não só em hospitais, mas também em termos de educação de saúde, suporte social e atendimento de longo prazo. 

Os Capítulos 3 e 4 tentam demonstrar que fatores psicológicos e sociais influenciam a saúde do corpo físico. Não muito tempo atrás, essa era uma ideia controversa. Em um editorial de 1985, por exemplo, Marcia Angell, ex-editora do New England Journal of Medicine, afirmou que "nossa crença na doença como um reflexo direto do estado mental é, em grande parte, folclore"1. Desde que esse editorial foi publicado, muitos estudos em alguns dos melhores periódicos de ciência do mundo provaram que ela estava errada. Hoje, existe um campo que vem crescendo bastante, chamado psiconeuroimunologia - intimamente relacionado à "medicina psicossomática" - que analisa como as experiências mentais e sociais podem afetar aspectos da saúde física. 

Minha tese básica nos Capítulos 5 a 10 é a de que a religião tem o potencial de influenciar a saúde mental e física. No Capítulo 5, abordo religião e saúde mental cobrindo áreas da experiência humana como depressão, ansiedade e emoções positivas. O Capítulo 6 examina associações entre religião, o sistema imunológico e as funções endócrinas, com enfoque nas relações em diferentes faixas etárias e em diferentes doenças, como fibromialgia, câncer de mama metastático e HIV/AIDS. No Capítulo 7, exploro os efeitos da religião sobre o coração e o sistema circulatório (reatividade cardiovascular, pressão arterial, ritmos autonômico e cardiovascular) e sobre comportamentos, como dieta, exercícios e tabagismo, que afetam as funções fisiológicas. 

O Capítulo 8 examina as consequências clínicas do envolvimento religioso sobre os índices de doença arterial coronariana e desfechos pós-cirurgia cardíaca, bem como sobre enfermidades comuns, como câncer, declínio da memória relacionado à idade, doença de Alzheimer e diabetes. 

No Capítulo 9, reviso diversos estudos de populações grandes nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia que examinam a relação entre envolvimento religioso e longevidade. Essa é uma área bastante contestada, e analisarei as complexidades de interpretar tais estudos, mas argumentarei que, embora tenham intensidade apenas moderada, as evidências a favor de religião e vida mais longa têm um enorme impacto na saúde pública. O Capítulo 10 aborda o que acredito ser a questão mais importante: não quanto tempo vivemos, mas a qualidade de nossa vida e a capacidade de realizar atividades físicas que fazem a vida valer a pena. Doenças de longa duração que persistem mais tarde na vida cobram um preço emocional e têm um impacto na capacidade de trabalhar, na vida social e nas atividades recreativas. Também discutirei a relação entre religião e deficiência em jovens com problemas de saúde adquiridos devido a doença prematura, acidentes ou guerra. 

O livro termina com aplicações dessas novas pesquisas. No Capítulo 11, argumento que as descobertas de pesquisa têm implicações para os profissionais da saúde, sobretudo no reconhecimento das muitas formas em que crenças religiosas podem influenciar a assistência médica, a adesão do paciente e as decisões médicas2. São motivos importantes para que os profissionais da saúde prestem atenção às necessidades espirituais de pacientes e estejam cientes dos limites e das limitações nessa área. Descrevo como e quando a espiritualidade pode ser integrada no atendimento ao paciente e quais são as prováveis consequências. Finalmente, o apêndice oferece resumos (a) dos principais estudos de pesquisa originais sobre religião e saúde; (b) de artigos de revisão sobre a pesquisa de religião e saúde; (c) de livros sobre religião, espiritualidade e saúde para pesquisadores, clínicos e público em geral; (d) de sites e centros acadêmicos de atividade em religião, espiritualidade e saúde nos quais podem ser encontrados recursos adicionais. 

O objetivo principal de Medicina, religião e saúde é integrar parte das pesquisas recentes sobre religião, espiritualidade e saúde, fazendo isso de maneira relativamente concisa e em formato legível. Em razão desse enfoque, não se tentou apresentar uma discussão mais completa das questões teológicas. Lembre-se, no entanto, de que essa pesquisa levantou uma série de questões teológicas sérias que também precisam ser abordadas. Uma revisão científica abrangente e uma discussão teológica da conexão entre religião e saúde serão apresentadas em um volume muito maior, que está atualmente sendo preparado3. Contudo, por enquanto, vamos explorar as mais recentes evidências científicas ligando religião, espiritualidade e saúde e investigar o que isso significa para médicos, pacientes e aqueles que estão saudáveis e desejam permanecer assim. 

Quando disse que os motivos de sua longa vida eram fé, família e ausência de álcool e de cigarros - nessa ordem -, a senhora Harris estava tentando comunicar algo sobre o essencial à saúde e ao bem-estar que aprendera durante sua longa e satisfatória vida. Ela falará conosco mais algumas vezes nas páginas seguintes, conforme nos aprofundamos nesse tópico.